quarta-feira, 30 de maio de 2012

A biblioteca do nosso ser...


Começou um dia (todas as estórias têm um dia em que algo ocorre) por ser um espaço amplo, deserto de estruturas, seres ou denominados aglomerados de papel a que, posteriormente, se conheceu por ter o nome de: livros.

Nasceu livre aquele local. Livre e deserto de saberes. Nem uma folha impressa, escrita por ali subia ou descia ao sabor do vento, com ou sem a leve brisa do tempo.

Os primeiros anos foram passando à medida que se aperfeiçoaram os sentidos, e as aprendizagens surgiam, na mesma dimensão, aliando as imagens e os sons à memória que se começou a disciplinar.

Aos três anos já se identificavam letras e se soltavam palavras. Aos cinco, o nome se escrevia: biblioteca entre algumas incertezas que se dissiparam à medida que já se tocavam os livros, os cadernos.

O espaço que outrora estava amplo começava a ter umas quantas estantes, respigando meia dúzia de elementos físicos, próprios e específicos de uma verdadeira biblioteca.

Os anos foram reunindo experiências, saberes, áreas e métodos, e, na mesma proporção o espaço era cheio de livros infantis, juvenis e literários.

Nestes anos, a luz dos candeeiros, os recreios e espaços públicos, a sombra das árvores foram cúmplices desse saber, dessa biblioteca que crescia acumulando as folhas impressas em livros cozidos e colados.

A biblioteca era agora um campo aberto onde o horizonte não tinha limite, as personagens não tinham estória fixa para constar ou para incorporar, e as portas abertas eram sinónimo de presença humana, convívio, partilha de saberes, experiências, vivências e conhecimento.

Essa, essa essência da biblioteca que vive dentro de cada um de nós, que cresce à medida que avançamos no percurso de vida, reflecte o saber, os mil e tantos mundos, as únicas e singulares histórias de tantas personagens imaginadas, imaginárias, imaculadas no nosso pensamento, por em nossa memória permanecerem.

Foram-nos dadas, foram criadas e são a cada dia que passa, um novo mundo, um outro mundo onde bebemos, onde crescemos, que abrimos a nós e aos outros.

A biblioteca do nosso viver tem todas essas estantes. Com livros. E cada uma delas, dessa biblioteca, situam-se em diferentes espaços, catalogada ou indiferenciada, com mesas e cadeiras, com computadores ou sem eles, com livros com e sem pó, e, mesmo que desses dez, vinte, quarenta ou cem títulos possam ser coincidentes, todas elas (bibliotecas) são únicas.

A biblioteca de cada um de nós tem vida pelo raciocínio, pela partilha, pela exploração de cada canto, de cada instrumento, de cada nova tecnologia complementar à história impressa, ao livro prensado e colado.

Esta estória mais não é do que uma metáfora sobre o crescimento humano, alimentado pelo saber dos livros, e que em cada um de nós existe no virtual do nosso cérebro e no físico de cada biblioteca que possuímos. Nas nossas, e em todas as outras que foram nossas, por lá termos passado, vivido e aprendido.

João Heitor

O valor que não tem preço...

No corre-corre do dia-a-dia nem sempre olhamos o espelho interior de cada um de nós, pela busca e visualização do nosso ser.

O umbigo de cada um é, efectivamente, um dos pontos do nosso corpo. Porém, no universo conhecível, mais não somos do que um minúsculo elemento, entre milhões no longínquo horizonte que os nossos olhos alcançam.

Neste caminho, entre o nascer e o morrer, as pegadas que deixamos na areia da vida, compostas por milhares de grãos de areia, assumem-se, neste percurso, como o legado, a lembrança, a marca, a postura, a ideia pela qual somos referenciados. E, um dia mais tarde, recordados, nas multifacetadas relações humanas que estabelecemos.

O reflexo do nosso agir é também o contributo com que prendamos os que nos rodeiam. Também por isso, a vida e a postura de Jesus Cristo tem tido biliões de fiéis devotos nos últimos dois mil anos. O Cristianismo, na sua essência, e génese, sem a interferência dos homens e mulheres da igreja, é um manual de vida. Assume-se como um desiderato ao aperfeiçoamento do Homem, ao limar das suas arestas num trabalho contínuo e eternamente inacabado, até à extinção da espécie humana.

No passado fim-de-semana, em Fátima, a fé, a crença, a tolerância, a solidariedade, a devoção e a força de milhares de pessoas juntou-se em momentos de reflexão e de introspecção. Independentemente das crenças religiosas de cada um, do agnosticismo de tantos outros, a essência humana alimenta-se do afecto, da cumplicidade, da partilha de projectos, da participação e da inclusão de todos os que compõem a sociedade.

Assim, a construção de cada um de nós assume-se como uma obra inacabada, que, com liberdade, bons costumes e numa cadeia de união se consubstancia em elos de ligação, em acções de apoio, em relações de solidariedade e partilha, assentes, também, no nobre valor, do valor da vida.

João Caldeira Heitor

quarta-feira, 9 de maio de 2012

O que somos e temos…


Há dias em que nos queixamos da vida, dos recursos que julgamos insuficientes, da chuva e do sol, do buraco na estrada de alcatrão, dos centros comerciais cheios que não nos permitem circular à vontade. Porém, esquecemo-nos dos povos que vivem em países com grandes dificuldades.

Em representação institucional desloquei-me ao Município de São Filipe, em Cabo Verde onde constatei uma realidade de via que corta a luxúria, a gula ou a avareza de qualquer europeu, face às dificuldades do povo cabo-verdiano.

Muito se tem feito e desenvolvido em São Filipe nas últimas duas décadas. Ao nível de saneamento, do porto, do aeroporto e iluminação pública, por exemplo. Porém, somente circulei numa estrada alcatroada, as centrais elétricas funcionam com geradores e a maioria das habitações estão por terminar.

Porém, este povo recebe e vive com alegria, educação, empenhados com afinco nos seus trabalhos, mesmo com todas as condicionantes dos habitantes de uma ilha, sem diamantes, petróleo ou gás natural.

Natural, só mesmo a sua essência, a sua paisagem, o vinco do seu rosto, do seu olhar, que mesmo com as dificuldades conhecidas, nos brindam com a sua felicidade.

Desta lição de vida retiro a conclusão de que os queixumes de uns, nada mais são do que luxos de uma sociedade consumista, quando comparados pelas debilidades de muitos outros.

Cabo Verde já possui muitos recursos humanos habilitados e emigrantes de sucesso pelo mundo fora, mas impõe-se o aumento de projetos partilhados com a Europa.

Na passagem do 13º aniversário sobre a assinatura do protocolo de Geminação entre os Municípios de Ourém e São Filipe consolida-se o ato assumido em boa hora, assim como todas as parcerias ocorridas nestes anos.

No acompanhamento das cerimónias oficiais, e na companhia do Presidente do Município de São Filipe, Eng. Eugénio Veiga, conheci um “homem-exemplo” face à sua postura solidária e espontânea junto dos seus. Vi a entreajuda e uma preocupação humana que ultrapassa as obrigações institucionais de um Presidente de Câmara. Um homem que tem sabido canalizar os escassos recursos financeiros para áreas prioritárias, e que o povo reconhece com uma calorosa simplicidade, patente nos cumprimentos, nos abraços e sorrisos partilhados na alegria, pelo simples fato de estarem vivos.

Reforcemos as parcerias pela dignidade humana e partilha social do mundo civilizado a que pertencemos. Pensemos no mundo pelo seu todo e deixemos o nosso umbigo como o centro do mundo. Difícil? Sim. Mas, está nas mãos de todos nós ajudar e sermos ajudados em cada dia onde o sol nasce pelo mundo fora…

João Heitor