Luísa sobe, sobe a calçada, sobe e não pode que vai cansada. Sobe, Luísa, Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Saiu de casa de madrugada; regressa a casa é já noite fechada. Na mão grosseira, de pele queimada, leva a lancheira desengonçada. Anda Luísa, Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Luísa é nova, desenxovalhada, tem perna gorda, bem torneada. Ferve-lhe o sangue de afogueada; saltam-lhe os peitos na caminhada. Anda Luísa, Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Passam magalas, rapaziada, palpam-lhe as coxas, não dá por nada. Anda Luísa, Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Chegou a casa não disse nada. Pegou na filha, deu-lhe a mamada; bebeu da sopa numa golada; lavou a loiça, varreu a escada; deu jeito à casa desarranjada; coseu a roupa já remendada; despiu-se à pressa, desinteressada; caiu na cama de uma assentada; chegou o homem, viu-a deitada; serviu-se dela, não deu por nada.
Anda Luísa, Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Na manhã débil, sem alvorada, salta da cama, desembestada; puxa da filha, dá-lhe a mamada; veste-se à pressa, desengonçada; anda, ciranda, desaustinada; range o soalho a cada passada, salta para a rua, corre açodada, galga o passeio, desce a calçada, chega à oficina à hora marcada, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga; toca a sineta na hora aprazada, corre à cantina, volta à toada, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga, puxa que puxa, larga que larga.
Regressa a casa é já noite fechada. Luísa arqueja pela calçada.
Anda Luísa, Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada, sobe que sobe, sobe a calçada, sobe que sobe, sobe a calçada, Anda Luísa, Luísa sobe, sobe que sobe, sobe a calçada. Teatro do Mundo (1958)
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